terça-feira, 15 de junho de 2010

Consumidor maltratado

Regras mínimas de atendimento ao consumidor continuam a ser desrespeitadas pelas empresas dos setores regulados por agências federais, como as de telefonia e aviação civil. Um levantamento realizado por esta Folha encontrou problemas em oito dos 28 call centers testados.
Buscava-se avaliar apenas a capacidade de cumprimento da mais simples das normas estipuladas, em 2008, para este tipo de serviço:
- a de pronto atendimento, com espera de no máximo 60 segundos para se falar com um funcionário da empresa.
Mais de um ano e meio depois da entrada em vigor das novas regras, quase 30% das companhias ainda respondem com embaraços, em vez de soluções, a seus clientes.Trata-se, nesses casos, apenas da primeira e mais simples etapa de atendimento àqueles que recorrem às empresas para fazer uma reclamação, cancelar um produto ou obter alguma informação.
Os problemas se acumulam quando também se leva em conta o grau de eficiência das respostas oferecidas pelas companhias às queixas de seus clientes.
Pressionadas pelas normas de funcionamento dos call centers, as empresas contrataram grande número de atendentes desde 2008 - que no entanto se mostram muitas vezes incapazes de ir além da repetição de um punhado de frases lidas ou decoradas.
É dever das autarquias reguladoras garantir o cumprimento das normas específicas para os serviços de atendimento. Também neste aspecto, órgãos como a Agência Nacional de Telecomunicações e a Agência Nacional de Aviação Civil exercem fiscalização precária e deixam a desejar em seu papel de defender o consumidor. É a elas, em última instância, que deve ser imputada a responsabilidade pelo costumeiro desrespeito aos direitos dos que pagam pelos serviços - muitas vezes precários - oferecidos no país.
(*) Editorial publicado no jornal Folha de S. Paulo

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Zeca Pagodinho ganha R$ 30 mil por horas preso em avião

Episódio aconteceu em 2008 durante uma escala em Buenos Aires.Justiça condenou companhia aérea e agência de turismo por danos morais.
A Justiça do Rio concedeu uma indenização de R$ 30 mil para o cantor Zeca Pagodinho esta semana. Ele havia processado a companhia aérea e a agência de turismo que o traziam com a família de volta ao Brasil de uma viagem de férias de Bariloche, na Argentina, em 2008, por ter sofrido com atraso de quatro horas. Duas delas, dentro do avião, em Buenos Aires, sem direito a comida e com banheiro interditado.
No ano passado as empresas já haviam sido condenadas a pagar R$ 10 mil, mas o advogado de Zeca recorreu do valor. “Na decisão, o desembargador afirmou ter verificado que a sentença anterior foi “acanhada, devendo ser fixada em atenção estrita aos princípios da razoabilidade”, que foi o que eu sustentei”, contou Sylvio Guerra, autor da ação.
A decisão foi do desembargador Roberto Guimarães, da 11ª Câmara Cível do Rio, já em segunda instância, e os réus, agora, se quiserem recorrer, deverão procurar o Superior Tribunal de Justiça. O processo conta que o pacote fechado por Zeca “incluía a parte aérea em voos fretados, hospedagem, traslados, passeios e outros serviços”, que ele pagou à vista para as sete pessoas da família. O documento diz ainda que o cantor afirmou que, durante o período, sua filha, de 4 anos, “chorava de fome, sede e frio”.
As outras versõesNo processo, a agência de viagem alegou que providenciou “recepção especial de boas vindas e serviço particular de transporte para todos os passeios” e que “não mediu esforços para assegurar ao autor e seus familiares a máxima privacidade possível, instalando-os em um hotel de primeira categoria”.
Já a companhia aérea disse que foi obrigada a substituir uma das aeronaves que costuma voar para Bariloche por causa das “constantes erupções do vulcão Chaitén, que propagaram na atmosfera suas cinzas à altitude de voo, o que poderia provocar graves problemas nas turbinas, o que comprometeria em muito a segurança dos voos”.
A empresa afirma ainda que, por isso, os passageiros foram acomodados em “um avião de menor capacidade de transporte, altitude e autonomia de voo”, e, por isso, teve que fazer escala para reabastecimento em Buenos Aires. Lá, “os passageiros permaneceram dentro do avião para evitar uma maior dispersão dos mesmos e demora para as operações de embarque e desembarque”.
Como foi o caso O avião que trazia o cantor e dezenas de outros brasileiros partiu com quatro horas de atraso e deixou os passageiros esperando por quase duas horas durante a escala em Buenos Aires, sem que eles pudessem descer da aeronave.
Na época, o cantor contou que faltou água, os banheiros não tinham condição de uso e o avião apresentava sinais de deterioração, além de ser tripulado por pessoas que não falavam português e nem tentavam responder às perguntas dos brasileiros. Zeca explicou ainda que, em determinado momento, o avião passou a receber novas cargas para transporte e um passageiro começou a discutir com a aeromoça, dizendo que não tinha pagado para viajar em avião cargueiro. "Os banheiros entupiram, o avião entrou em pânico", resumiu o cantor.
fonte Alícia Uchôa Do G1 RJ

Souza Cruz não pagará indenização por morte de fumante

A fabricante de cigarros Souza Cruz não pagará indenização aos familiares de um homem morto em razão de câncer no pulmão e enfisema pulmonar.
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, acatou o recurso da empresa e reformou decisão que havia julgado o pedido de indenização procedente. O ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, ressaltou que não há como vislumbrar nexo de causalidade em que o dano é consequência necessária de uma causa, ou seja, que o fumo foi a causa da doença. Isso porque a medicina limita-se a afirmar a existência de fator de risco entre o fumo e o câncer, assim como alimentação, álcool e modo de vida. Por mais que as estatísticas apontem elevada associação entre cigarro e câncer de pulmão, isso não comprova a causalidade necessária para gerar o dever de indenizar.
De acordo com os autos, a vítima de câncer nasceu em 1940 e começou a fumar ainda adolescente. Em meados de 1998, foi diagnosticado com doença bronco-pulmonar e enfisema avançado, vindo a falecer em 2001, aos 61 anos. Em 2005, os familiares ajuizaram ação de indenização por danos morais contra a Souza Cruz. Eles alegaram, em síntese, que a conduta da empresa foi dolosa porque, sabendo dos males causados pelo cigarro, ocultou essa informação e ainda promoveu propagandas enganosas e abusivas. O recurso foi julgado improcedente em primeira instância. No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acatou o pedido e condenou a Souza Cruz a pagar R$ 70 mil à viúva e a cada filho do casal, e R$ 35 mil a cada neto.
Ao analisar o recurso da Souza Cruz, o ministro Luis Felipe Salomão entendeu que não é possível afirmar que o cigarro é um produto com alto grau de nocividade e periculosidade, a ponto de enquadrar-se no artigo 10 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o que teria como consequência a proibição de sua comercialização. Também não se trata de um produto defeituoso, pois o risco à saúde é inerente ao cigarro. Sobre a responsabilidade da empresa sob a ótica do dever de informação, o ministro Salomão ponderou que, em décadas passadas, antes da criação do CDC e de leis antitabagistas, não havia no ordenamento jurídico a obrigação de as indústrias do fumo informar os usuários acerca dos riscos do tabaco. As restrições de consumo, propaganda e venda de cigarros surgiram a partir da Constituição Federal de 1988. Seguindo no raciocínio, o relator concluiu que o dever acessório de informação deve ser avaliado conforme a realidade social e os costumes da época. Ele lembrou que nas décadas de 40 a 70 era corrente a relação do fumo com estética, glamour, charme e beleza, além da associação do tabagismo à arte e à intelectualidade.
O ministro destacou também que o hábito de fumar é muito anterior à própria indústria do tabaco. Leia íntegra do voto e relatório não publicado e sem revisão.
fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ

sexta-feira, 9 de abril de 2010

IDCC ganha processo coletivo contra o Banco do Brasil

Comarca de Porto Alegre
16ª Vara Cível do Foro Central
Rua Márcio Veras Vidor (antiga Rua Celeste Gobato), 10
___________________________________________________________________
Nº de Ordem:

Processo nº:
001/1.09.0146773-5
Natureza:
Ação Civil Pública
Autor:
IDCC - Instituto de Defesa dos Consumidores de Crédito
Réu:
Banco do Brasil S.A.
Juiz Prolator:
Juiz de Direito - Dr. João Ricardo dos Santos Costa
Data:
26/10/2009
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATOS BANCÁRIOS. O DEVER DE INFORMAR E A VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR. O INTERESSE COLETIVO E A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. É ADMITIDA A COBRANÇA DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA NO PERÍODO DA INADIMPLÊNCIA, DESDE QUE NÃO CUMULADA COM CORREÇÃO MONETÁRIA, JUROS MORATÓRIOS, MULTA CONTRATUAL OU JUROS REMUNERATÓRIOS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO, NA FORMA SIMPLES, OBSERVADA A PRESCRIÇÃO. ABRANGÊNCIA NACIONAL DESTE PROVIMENTO JURISDICIONAL.
Vistos.
I – O INSTITUTO DE DEFESA DOS CONSUMIDORES DE CRÉDITO – IDCC, já qualificado nos autos, ajuizou ação civil pública em desfavor do BANCO DO BRASIL S/A, igualmente qualificado na demanda, aduzindo, em síntese, que os consumidores que efetuam o pagamento das prestações mensais referentes aos contratos firmados com o banco-réu acabam suportando despesas decorrentes de comissão de permanência cumulada com encargos de mora. Referiu, outrossim, que presente a comissão de permanência, os demais encargos moratórios devem ser afastados. Ao final, em sede de antecipação de tutela, pleiteou a expedição de ordem judicial vedando a cobrança conjunta, pelo banco-réu, dos encargos retromencionados. No mérito, requereu a procedência dos pedidos, com a declaração de nulidade da cláusula contratual que permite a cobrança de comissão de permanência e encargos moratórios bem como a repetição do indébito. Pugnou, também, pela inversão do ônus da prova (fls. 02/12). Juntou documentos (fls. 13/34).
A petição inicial foi recebida e o pedido liminar foi indeferido pelo juízo (fl. 37).
Foi publicado o edital previsto no art. 94 do CDC (fl. 39).
Citado, o réu contestou. Preliminarmente, arguiu inépcia da petição inicial, ilegitimidade ativa e impossibilidade jurídica do pedido bem como discorreu acerca da abrangência territorial da decisão. No mérito, referiu que o pedido refere-se unicamente ao estorno dos encargos moratórios – multa e juros de mora –, alegou a prescrição trienal ou, subsidiariamente, a quinquenal, que a repetição do indébito exige a comprovação de erro no pagamento e que a comissão de permanência pode ser cumulada com outros encargos de natureza moratória. Expôs, outrossim, que a incidência dos juros moratórios independe da vontade das partes e que a comissão de permanência consiste em juro compensatório. Discorreu acerca da multa e dos princípios da isonomia e da livre concorrência e manifestou-se contrariamente à inversão do ônus da prova. Ao final, requereu a extinção do processo, sem resolução do mérito, ou, subsidiariamente, a improcedência dos pedidos (fls. 42/94).
O autor apresentou réplica (fls. 96/109).
O Ministério Público, em parecer final, opinou pela extinção do processo, sem resolução do mérito (fls. 113/118).
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o relatório.
Passo a decidir.
II – Considerando que a matéria controvertida é preponderantemente de direito, cabível o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, do CPC.
Da análise dos autos, verifica-se que o pedido elaborado pelo autor merece prosperar, senão vejamos:
a) Petição inicial regular, legitimidade ativa e possibilidade jurídica do pedido.
Inicialmente, observo que a peça vestibular não apresenta nenhuma das irregularidades previstas no parágrafo único do art. 295 do diploma processual civil.
Como se sabe, o Código de Defesa do Consumidor autoriza a defesa dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos em juízo a título coletivo. E em seu artigo 82, inciso III, confere à associação legalmente constituída há pelo menos um ano a legitimidade para agir, na qualidade de substituta processual, em defesa dos interesses e direitos protegidos pelo código, quando incluídos estes entre seus fins institucionais. É o que também dispõe a Lei n.º 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), em seu artigo 5.º, inciso V .
Destarte, a lei não exige, para tanto, a atuação restrita em substituição aos seus associados, tampouco a individuação dos substituídos; exige, isto sim, que o objeto da ação guarde pertinência temática ao fim institucional da associação.
Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO COLETIVA. ASSOCIAÇÃO CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA CONFIGURADA. IDENTIFICAÇÃO DOS SUBSTITUÍDOS. DESNECESSIDADE. DEVOLUÇÃO DO PRAZO RECURSAL. JUSTA CAUSA. POSSIBILIDADE.
- A ação coletiva é o instrumento adequado para a defesa dos interesses individuais homogêneos dos consumidores. Precedentes.
- Independentemente de autorização especial ou da apresentação de relação nominal de associados, as associações civis, constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC, gozam de legitimidade ativa para a propositura de ação coletiva.
- É regular a devolução do prazo quando, cessado o impedimento, a parte prejudicada demonstra a existência de justa causa no qüinqüídio e, no prazo legal, interpõe o Recurso. Na ausência de fixação judicial sobre a restituição do prazo, é aplicável o disposto no art. 185 do CPC.
- A prerrogativa assegurada ao Ministério Público de ter vista dos autos exige que lhe seja assegurada a possibilidade de compulsar o feito durante o prazo que a lei lhe concede, para que possa, assim, exercer o contraditório, a ampla defesa, seu papel de 'custos legis' e, em última análise, a própria pretensão recursal. A remessa dos autos à primeira instância, durante o prazo assegurado ao MP para a interposição do Especial, frustra tal prerrogativa e, nesse sentido, deve ser considerada justa causa para a devolução do prazo. Recurso Especial Provido.
(REsp 805.277/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/09/2008, DJe 08/10/2008) (grifei)
EMENTA: APELAÇÃO-CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE INFORMAÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. LEGITIMIDADE ATIVA. PEDIDO ADMINISTRATIVO NÃO ATENDIDO. PRETENSÃO RESISTIDA CARACTERIZADA. - Preliminar de ilegitimidade ativa da associação afastada. A associação legalmente constituída há mais de um ano com a finalidade de promover a defesa de interesses e direitos protegidos pelo CDC possui legitimidade para agir na defesa do consumidor, na qualidade de substituta processual. Inteligência dos artigos 82, inciso III da Lei n.º 8.078/90, e 5.º, inciso V, da Lei da Ação Civil Pública. - Preliminar de falta de interesse de agir rejeitada. - Pedido administrativo não atendido. Documento não apresentado em sede de contestação. Pretensão resistida. Em se tratando de documento comum, indispensável à propositura de eventual ação coletiva, justificam-se o ajuizamento da ação cautelar de exibição de documentos e a procedência do pedido, com a condenação da parte demandada ao pagamento dos ônus da sucumbência. Exegese do art. 844, inc. II, do CPC, c/c o art. 6.º, inc. III, do CDC. Preliminar afastada. Apelo provido, para julgar procedente o pedido. (Apelação Cível Nº 70024268641, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 13/08/2009) (grifei)
Por último, o pedido elaborado pelo autor apresenta possibilidade jurídica e encontra guarida no ordenamento pátrio, consistindo tal preliminar numa nítida tentativa de escamoteio.
Afasto, portanto, as preliminares arguidas pela ré.
b) Prescrição.
Embora incidentes, no caso dos autos, as normas do Código de Defesa do Consumidor, não se aplica, como quer o apelante, o art. 27 do diploma consumerista, que prevê a prescrição quinquenal da ação.
Ocorre que o dispositivo citado somente regula a reparação por danos causados por fato do produto ou serviço (Seção II, art.12 e seguintes, do CDC). A hipótese se aplica aos casos que versam sobre a denominada responsabilidade por eventual acidente de consumo, em decorrência do produto ou do serviço; refere-se à vida e à saúde das pessoas, como alertam os próprios autores do anteprojeto1.
No caso dos autos, o que pretende o autor é a declaração de nulidade de cláusula contratual que considera abusiva, matéria que portanto não guarda nenhuma relação a qualquer dano provocado por produto ou serviço.
O prazo prescricional a ser observado individualmente, em futuro cumprimento de sentença, é o trienal, nos termos do art. 206, § 3º, IV, do Código Civil, e deverá atingir os contratos encerrados no triênio anterior à propositura da ação, observado o disposto no art. 219, § 1º, do Código de Processo Civil.
c) A aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a inversão do ônus da prova.
A solução do litígio, diante das circunstâncias do caso concreto, exige somente prova documental, de modo que passo analisá-la, sempre observando, porém, a regra prevista no art. 333 do Código de Processo Civil.
Às partes não basta simplesmente alegar os fatos. Para que a sentença declare o direito, isto é, para que a relação de direito litigiosa fique definitivamente garantida pela regra de direito correspondente, preciso é, antes de tudo, que o juiz se certifique da verdade do fato alegado, o que se dá através das provas2.
O ônus da prova é o momento subsequente ao ônus de alegação no processo civil. Em linha de princípio, tanto os fatos não alegados, quanto os fatos alegados, porém não demonstrados, são irrelevantes para o desfecho da causa. Desta forma, tendo em vista que as partes é que se mostram mais interessadas pelo provimento final, o Direito, com o escopo de instigá-las ao contraditório efetivo para o aclaramento da matéria controvertida, trabalha a teoria do ônus da prova3.
Ora, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC, a inversão do ônus da prova é possível, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando a parte for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência. In casu, tendo em vista os fatos e os fundamentos jurídicos dos pedidos, mostra-se pertinente a inversão do onus probandi, ainda mais diante da patente vulnerabilidade dos consumidores em tela e do fato de o demandante atuar como substituto processual.
Isso porque o Código de Defesa do Consumidor regula as relações estabelecidas a partir de contratos bancários em face do que dispõe o seu art. 3º, § 2º. Da mesma forma, o enunciado da Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça.
Destaco, pois, o seguinte precedente: ADI 2591/DF - DISTRITO FEDERAL. Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU. Julgamento: 07/06/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
d) O dever de informar e a vulnerabilidade do consumidor.
A Constituição Federal refere-se ao consumidor entre os direitos e garantias fundamentais, em seu art. 5º, XXXI; bem como, entre os princípios gerais da atividade econômica, em seu art. 170, V. Igualmente, nas Disposições Constitucionais Transitórias, em seu art. 48.
Assim, sempre que se faz referência ao consumidor, a Constituição Federal determina a sua defesa, ou seja, reconhece necessidade de sua proteção especial, porque reconhece a sua vulnerabilidade dentro da relação de consumo4.
No que concerne à informação sobre produtos e serviços explica José Geraldo Brito Filomeno:
“Em verdade aqui se trata de um detalhamento do inciso III do art. 6º ora comentado, pois que se fala expressamente de especificações corretas de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem, obrigação específica dos fornecedores de produtos e serviços. Trata-se, repita-se, do dever de informar bem o público consumidor sobre todas as características importantes de produtos e serviços, para que aquele possa adquirir produtos, ou contratar serviços, sabendo exatamente o que poderá esperar deles”.5
Este direito básico decorre do princípio da transparência que deve nortear todas as relações de consumo, como a presente, e cujo conteúdo é bem explicitado pela professora Cláudia Lima Marques, dizendo que:
“A idéia central é possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo”.6
De modo que esta nova transparência rege o momento pré-contratual, rege a eventual conclusão do contrato, o próprio contrato e o momento pós-contratual. É mais do que um simples elemento formal, afeta a essência do negócio, pois a informação repassada ou requerida integra o conteúdo do contrato.
Por sua vez, o art. 31 do Código de Defesa do Consumidor, ao regular o dever de informar o consumidor, dispõe que: “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores".
O Código Civil possui, hoje, preceito expresso no sentido de que as relações jurídicas devam ser realizadas com base na boa-fé (art. 422 do CC), a exemplo do que ocorre no Direito alemão (§ 242 do BGB – Leistung anch Treu und Blauben - “Prestação segundo a boa-fé”). Essa boa-fé objetiva decorre também dos princípios gerais do Direito, e a exigência de as partes terem de comportar-se segundo a boa-fé tem sido assim proclamada, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência7.
O comportamento das partes de acordo com a boa-fé tem como consequência a possibilidade de revisão do contrato celebrado entre elas, pela incidência da clausula rebus sic stantibus, a possibilidade de arguir-se a exceptio doli, a proteção contra as cláusulas abusivas enunciadas no art. 51 do CDC, entre outras aplicações da cláusula geral8.
No sistema brasileiro das relações de consumo, houve opção explícita do legislador pelo primado da boa-fé. Com a menção expressa do art. 4º, III, do CDC à “boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”, como princípio básico das relações de consumo – além da proibição das cláusulas que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (art. 51, IV, do referido diploma legal) –, o microssistema do Direito das Relações de Consumo está informado pelo princípio geral da boa-fé, que deve reger toda e qualquer espécie de relação de consumo, seja pela forma de ato de consumo, de negócio jurídico de consumo, de contrato de consumo etc9.
A boa-fé na conclusão do contrato de consumo é requisito que se exige do fornecedor e do consumidor (art. 4º, III, do CDC), para que haja transparência e harmonia nas relações de consumo (art. 4º, caput, do referido diploma legal), buscando o equilíbrio entre os contratantes.
Em se tratando de contrato de adesão, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, a teor do que preceitua o art. 47, do CDC. É muito comum o consumidor tomar conhecimento de uma cláusula contratual que atua em seu desfavor apenas quando ocorre o fato que enseja a aplicação daquela cláusula10. O princípio da isonomia, modernamente, tem sido entendido como tendo implicação consequencial de igualdade substancial real, e não apenas formal. Isso se traduz, na prática, com a consideração de que isonomia quer significar tratar desigualmente os desiguais na exata medida de suas desigualdades11.
e) O interesse coletivo.
A summa divisio das origens do Direito, com a rígida divisão entre público e privado, era compreensível numa era em que os únicos pólos existentes eram o indivíduo e o estado. Tertium non datur! Ocorre que a evolução do Estado, da sociedade e, consequentemente, do Direito trouxe o fracionamento do poder estatal e o surgimento de novos focos de poder12.
Como salienta Waldemar Mariz de Oliveira Jr.,
“a sociedade em que vivemos é totalmente diversa das sociedades de séculos passados, havendo nela interesses e direitos que não se enquadram com precisão entre os de natureza individual e os de natureza pública. A verdade é que há interesses e direitos que não pertencem nem ao indivíduo e nem ao Estado, mas cuja existência é inegável. Situam-se eles, na realidade, entre ambos, pertencendo a grupos, classes, categorias de indivíduos, enfim a grupos ou formações intermediárias, os quais, ante algumas liberdades fundamentais que são outorgadas pela própria Constituição, julgam-se com direito à tutela jurisdicional.
A summa divisio encontra-se irremediavelmente superada na realidade social de nossa época, a qual é infinitamente mais complexa, mais articulada e mais sofisticada do que a expressa pela simplista dicotomia tradicional. Novos direitos e novos deveres aparecem, os quais, sem ser públicos no sentido tradicional da palavra, são, todavia, coletivos. Pertencem eles, ao mesmo tempo, a todos e a ninguém. Com efeito, tendo-se em conta que pertencem a grupos, classes ou categorias de pessoas, deles ninguém é titular exclusivo, mas, ao mesmo tempo, todos os membros daqueles são seus titulares”.13
Os interesses coletivos são metaindividuais, ou superindividuais, por serem comuns a uma coletividade de pessoas determinada de acordo com o vínculo jurídico definido que a distingue. Para Rodolfo de Camargo Mancuso, são os seguintes os requisitos para o interesse ser considerado coletivo: a) um mínimo de organização, a fim de que os interesses ganhem a coesão e a identificação necessárias; b) a afetação desses interesses a grupos determinados (ou ao menos determináveis), que serão os seus portadores (enti esponenziali); c) um vínculo jurídico básico, comum a todos os participantes, conferindo-lhes situação jurídica diferenciada14.
O conceito legal, constante do art. 81, parágrafo único, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, dispõe serem os interesses ou direitos coletivos:
“os transidividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base”.
Na lição de Kazuo Watanabe,
“essa relação jurídica-base é a preexistente à lesão ou ameaça de lesão do interesse ou direito do grupo, categoria ou classe de pessoas. Não a relação jurídica nascida da própria lesão ou da ameaça de lesão. Os interesses ou direitos dos contribuintes, por exemplo, do imposto de renda, constituem um bom exemplo. Entre o fisco e os contribuintes já existe uma relação jurídica-base, de modo que, à adoção de alguma medida ilegal ou abusiva, será perfeitamente factível a determinação das pessoas atingidas pela medida. Não se pode confundir essa relação jurídica-base preexistente com a relação jurídica originária de lesão ou ameaça de lesão”.15
Os interesses ou direitos coletivos, organizados ou não, se são de natureza indivisível, passam a apresentar unidade, independentemente da reunião de seus titulares numa entidade representativa, tornando possível sua tutela em uma única ação16.
O Superior Tribunal de Justiça fixou as características e as distinções em relação aos interesses coletivos, ao decidir uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo contra a cobrança indevida de taxa de iluminação pública:
“Os interesses individuais, in casu (suspensão do indevido pagamento de taxa de iluminação pública), embora pertinentes a pessoas naturais, se visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, transcendem a esfera de interesses puramente individuais e passam a constituir interesses da coletividade como um todo” (STJ, Resp. Nº 49.272-6, RS, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 21-9-94).
A tutela dos interesses já não pode estar baseada em sua titularidade, mas em sua relevância social. Nos interesses difusos, a relação de titularidade entre o interesse e uma pessoa determinada não existe. Não há possibilidade de apropriação por sujeito determinado, referindo-se o interesse difuso a uma série indeterminada de sujeitos. A indeterminação dos sujeitos deriva do fato de inexistir um vínculo jurídico a agregar os sujeitos afetados por esses interesses, que, ao contrário, são agregados, ocasionalmente, por situações de fato contingenciais, como o consumo, a vida em comunidade e até mesmo a própria existência apenas17.
O objeto do interesse difuso é um bem da vida de natureza difusa, de formação fluida no seio da comunidade, referindo-se a sua totalidade. Daí o caráter super ou metaindividual dos interesses difusos, portanto, seus titulares são indetermináveis, ainda que no caso concreto um de seus sujeitos ou determinada entidade possa exercitá-los, ou exigi-los judicialmente. Tal fato se dá em razão da legitimidade de agir, da faculdade processual ou instrumental para a proteção dos interesses, o que não altera a essência do interesse, que é difusa, por se referir a toda a coletividade indistintamente18.
No caso em exame, os pedidos revelam compatibilidade e buscam o reconhecimento genérico de um direito dos consumidores e os interesses homogêneos encontram-se delimitados no caso em exame. Esses dados possuem superlativa importância, pois determinam a abrangência da demanda.
f) Impossibilidade de cumulação da comissão de permanência com encargos moratórios.
O mérito propriamente dito da presente ação não exige maior discussão. Trata-se matéria pacífica e remansosa na jurisprudência. Quanto à controvérsia em torno da possibilidade de cobrança do encargo moratório intitulado comissão de permanência, faz-se mister a análise das Súmulas 30 e 294 do STJ:
Súmula 30. A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis.
Súmula 294. Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato.
Os mencionados enunciados, em combinação com a supracitada Súmula 296 do STJ19, denotam que a instituição da comissão de permanência, contanto que não cumulada com juros remuneratórios, moratórios, correção monetária e multa contratual, é absolutamente lícita, como se constata dos seguintes julgados:
Ação de revisão. Embargos à execução. Contrato de abertura de crédito. Juros. Correção monetária. Capitalização. Comissão de permanência. Multa. Precedentes.
(...)
5. Os juros remuneratórios contratados são aplicados, não demonstrada, efetivamente, a eventual abusividade.
6. A comissão de permanência, para o período de inadimplência, é cabível, não cumulada com a correção monetária, nos termos da Súmula nº 30 da Corte, nem com juros remuneratórios, calculada pela taxa média dos juros de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, não podendo ultrapassar a taxa do contrato.
7. Recurso especial conhecido e provido, em parte.
(REsp 271.214/RS; Segunda Seção; Relator para o acórdão: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito; Julgado em 04/08/2003) (grifei)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO. INAPLICABILIDADE. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. POSSIBILIDADE. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. ADMISSIBILIDADE.
I - Os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras não sofrem as limitações da Lei da Usura, nos termos da Súmula 596 do STF, dependendo eventual redução de comprovação do abuso, não caracterizado pelo simples fato de os juros serem pactuados em percentual superior a 12% ao ano.
II - A capitalização mensal dos juros é possível quando pactuada nos contratos celebrados a partir de 31.3.2000, data de publicação da MP 1.963-17, reeditada sob o n. 2.170-36/01.
III - É admitida a cobrança da comissão de permanência no período da inadimplência, desde que não cumulada com correção monetária, juros moratórios, multa contratual ou juros remuneratórios, calculada à taxa média de mercado. Agravo improvido.
(AgRg no REsp 1.052.336; Terceira Turma; Relator: Ministro Sidnei Benetti; Julgado em 23/09/2008) (grifei)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. JUROS REMUNERATÓRIOS. NÃO LIMITAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO. CONTRATO POSTERIOR À MP 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MATÉRIA PACIFICADA.
1. A Segunda Seção desta Corte entende ser cabível a capitalização dos juros em periodicidade mensal para os contratos celebrados a partir da publicação da MP nº 2.170-36/2001, desde que pactuada, como no caso.
2. Quanto aos juros remuneratórios, o STJ tem entendimento assente no sentido de que, com a edição da Lei 4.595/64, não se aplicam as limitações fixadas pelo Decreto 22.626/33, de 12% ao ano, aos contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, ut súmula 596/STF, salvo nas hipóteses previstas em legislação específica (precedentes: REsp 436.191/RS, REsp 436.214/RS e REsp 324.813/RS).
3. A comissão de permanência é devida para o período de inadimplência, não podendo ser cumulada com correção monetária (súmula 30/STJ), juros remuneratórios, moratórios e multa contratual (AgREsp 712.801/RS), calculada pela taxa média dos juros de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, tendo como limite máximo a taxa do contrato (súmula 294/STJ).
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 982.423/MS; Quarta Turma; Ministro Fernando Gonçalves; Julgado em 02/10/2008) (grifei)
Dessa forma, a comissão de permanência, sendo um instrumento de correção do saldo devido, apenas se torna passível de cobrança após o vencimento da avença, quando configurada a mora do devedor, momento em que as demais parcelas moratórias, bem como os juros remuneratórios stricto sensu, deixam de ser exigíveis, se pactuada a possibilidade de instituição daquela. O cálculo do encargo em comento deve considerar a variação da taxa de mercado, segundo a espécie de operação, apurada pelo Banco Central do Brasil, em conformidade com o previsto na Circular n.° 2.957/99, tendo como limite a taxa estipulada no contrato (nesse sentido: REsp 677.679/RS; Quarta Turma; Relator: Ministro Barros Monteiro; Julgado em 13/12/2005).
Assim, quando a comissão de permanência for previamente estipulada, os demais encargos moratórios – multa contratual, juros moratórios ou correção monetária – devem ser afastados, sob pena de se proporcionar à instituição bancária um enriquecimento indevido às custas do consumidor, que já suporta pesadas taxas de juros em cada serviço bancário contratado.
Como corolário lógico, reconhecida a abusividade da cumulação da comissão de permanência com outros encargos moratórios, deverá a ré reembolsar, na forma simples, os valores indevidamente cobrados dos consumidores. Para melhor garantir o cumprimento deste julgado, para os contratos em vigor, deverá ocorrer a compensação de valores. Para os contratos findos, a repetição do indébito deverá ocorrer em dinheiro, ou seja, no modo tradicional.
g) Contratos findos.
Reconhecida a ilegalidade nas cobranças direcionadas aos consumidores, deverá a ré, consoante o acima exposto, restituir em dobro os valores indevidamente cobrados dos consumidores. Atento que a prática atingiu direitos protegidos pela carga de princípios dirigidos às relações de consumo, o limiar de complacência em relação às práticas abusivas, deve considerar, no meu sentir, a impossibilidade de consagrar a abusividade, mesmo nas situações consumadas, à pretexto de uma visão descontextualizada do ato jurídico perfeito ou de uma segurança jurídica divorciada do sistema de garantias.
Todos os contratos, findos ou em andamento, constituem instrumentos hábeis para o reembolso dos valores, reconhecido neste provimento jurisdicional o direito de cada consumidor.
h) Abrangência desta decisão.
Deve ser definida questão, no que diz aos beneficiários da presente decisão judicial, em face da aparente limitação imposta pelo art. 16 da Lei nº 7.347/85, assim redigido:
Art. 16: “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”
O dispositivo foi introduzido por Medida Provisória, que se transformou na Lei 9494/97, e, em que pese ser norma posterior ao CDC, deverá sofrer interpretação atendendo os princípios que norteiam o processo civil, designadamente na lógica das ações coletivas, no que diz ao alcance que se pretende dar a elas e a sua viabilidade no Brasil.
O CDC, em seu art. 103, confere às demandas coletivas efeitos erga omnes e ultra partes, especificando tais efeitos nos incisos I, II e III do citado artigo. Notadamente, o dispositivo referendou a teoria da coisa julgada secundum eventum litis. O sistema adotado estabelece uma relação entre os limites subjetivos da coisa julgada e as eficácias ultra partes e erga omnes. É uma decorrência natural da indivisibilidade dos interesses pautados pelas demandas coletivas, quer pela perspectiva dos direitos, quer pela extensão dos danos a serem evitados ou reparados.
Por serem direitos indivisíveis com abrangência geral, o efetivo acesso à justiça, na sua equivalência substancial, ocorre com a universalização dos efeitos da sentença, aqui traduzida com a extensão de seus efeitos à integralidade das pessoas que tiveram seus interesses atingidos, isso porque, o caráter homogêneo do direito individual deve ser o critério determinante da amplitude da jurisdição e não a competência territorial do órgão julgador. Conclusão imperiosa em face da já citada indivisibilidade dos interesses postos sub judice.
A aplicação do art. 16, da Lei 7.347/85, limitando a competência territorial, deve ser interpretada como uma regulação de competência funcional ligada à organização judiciária do Estado, servindo apenas para definir a competência para processar e julgar o feito, não devendo a regra, que é de cunho meramente organizacional, acarretar severo prejuízo aos fins maiores da demanda coletiva, que é evitar a explosão de ações individuais e repetição de ações coletivas. Neste sentido, utilizo a percuciência de Nelson Nery Jr., ao analisar os limites subjetivos da coisa julgada em demandas coletivas:
“Trata-se de instituto criado para que a solução de pretensões difusas, coletivas e individuais homogêneas sejam tomadas em ação única. Do contrário, o instituto não teria serventia prática. (...)
Não é relevante indagar-se qual a justiça que proferiu a sentença, se federal ou estadual, para que dê o efeito extensivo da coisa julgada. A questão não é nem de jurisdição nem de competência, mas de limites subjetivos da coisa julgada, dentro da especificidade do resultado de ação coletiva, que não pode ter a mesma solução dada pelo processo civil ortodoxo às lides intersubjetivas”.20
O próprio articulista sustenta, também, a inconstitucionalidade da nova versão do art. 16, da Lei 7.347/85, por ferir o princípio do direito de ação, da razoabilidade e da proporcionalidade, além de ter sido introduzido no sistema legal brasileiro pela via da medida provisória, sem atender os requisitos de urgência e relevância. Refere que “não há limitação territorial para a eficácia erga omnes da decisão proferida em ação coletiva”, denunciando a lamentável confusão entre limites subjetivos da coisa julgada e jurisdição e competência. Diz mais: até uma sentença de divórcio tem efeito em todo território nacional21.
É importante termos presente que o efeito erga omnes da coisa julgada é vital para a plena introdução, no nosso País, da via coletiva de enfrentamento dos conflitos sociais de massa. Essa constatação é relevante para entendermos que não se pode restringir os efeitos de uma decisão judicial que venha a garantir direitos indivisíveis sem ferir o pacto constitucional.
Tenho, desta forma, que deverá ser a indivisibilidade do dano o critério determinante para definir o alcance da decisão, critério este que norteará também a amplitude territorial da sentença, e, como dito, não pela regra da competência motivada pela divisão do trabalho do Poder Judiciário no território nacional.
É oportuno esclarecer que não se está a patrocinar a usurpação da competência do STF, definida no art. 102, da Constituição Federal. O próprio STF já enfrentou a matéria ao julgar reclamação proposta contra o Tribunal de Alçada de São Paulo, por exarar decisão em ação coletiva, conferindo à mesma efeitos em todo território nacional. Como podemos observar de uma parcial do voto do Relator, o Ministro Ilmar Galvão:
“Afastadas que sejam as mencionadas exceções processuais – matéria cujo exame não tem aqui cabimento – inevitável é reconhecer que a eficácia da sentença, no caso, haverá de atingir pessoas domiciliadas fora da jurisdição do órgão julgador, o que não poderá causar espécie, se o Poder Judiciário, entre nós, é nacional e não local. Essa propriedade, obviamente, não seria exclusiva da ação civil pública, revestindo, ao revés, outros remédios processuais, como o mandado de segurança coletivo, que pode reunir interessados domiciliados em unidades diversas da federação e também fundar-se em alegação de inconstitucionalidade de ato normativo, sem que essa última circunstância possa inibir o seu processamento e julgamento em Juízo de primeiro grau que, entre nós, também exerce controle constitucional das leis.
Não cabe, portanto, afirmar, como fez a inicial, que a ação pública civil em tela outra coisa não fez senão impugnar, conquanto por via oblíqua, o conteúdo normativo, ainda que parcial, do art. 17, I, da Lei nº 7.730/89, nem que essa providência somente poderia ter sido posta em prática por quem constitucionalmente legitimado a fazê-lo perante o Supremo Tribunal Federal. Tampouco, conseqüentemente, que, ao processá-la e julgá-la, haja a Corte reclamada usurpado competência deste Tribunal, dando lugar à reclamação prevista no art. 102, I, 1, da CF.
No primeiro caso, porque, como visto, se trata de ação ajuizada, entre partes contratantes, na persecução nítida de bem jurídico concreto, individual e perfeitamente definido, de ordem patrimonial, embora sob alegação de ser inconstitucional o dispositivo legal que aparentemente estaria impedindo o seu gozo; e, no segundo, porque esse objetivo jamais poderia ser alcançado pelo autor, ora reclamado, em sede de controle in abstracto de ato normativo, não havendo espaço, portanto, para concluir, sem incidir em manifesta contradição, que invadiu a jurisdição concentrada privativa do Supremo Tribunal Federal o julgador que proferiu decisão insuscetível de ser ditada por esta própria Corte nas circunstâncias apontadas.
O meu voto, assim, é no sentido de julgar improcedente a reclamação”.22
Outra conclusão seria de difícil praticidade e até aplicabilidade. Caso considerássemos como destinatários da presente os domiciliados em Porto Alegre na data do ajuizamento da ação, o alcance da sentença seria: limitado no espectro de abrangência dos interessados; ineficaz no âmbito da administração da justiça (por que não evitaria novas demandas em outros territórios) e inconstitucional sob a ótica da isonomia ao acesso ao Judiciário.
O acesso à justiça e o princípio da universalidade da jurisdição, têm como pilar de sustentação a teoria da coisa julgada, compondo o sistema de tutela coletiva brasileiro, juntamente com a adoção do modelo de substituição processual que viabiliza o atendimento de interesses na dimensão transindividual.
No caso, o autor, por força do art. 82, do CDC, atua como substituto processual de todos os interessados na relação jurídica atacada. A supressão de qualquer dos substituídos, através da limitação dos efeitos da decisão por critérios de quadrantes regionais, firmados no restrito âmbito da competência territorial do Juiz, fere o sistema legal adotado para solucionar os conflitos coletivos no Brasil. Pior, o torna não efetivo. É inarredável a incidência dos princípios constitucionais elencados, e imperiosa sua referência jurisdicional. Não podemos olvidar que o modelo republicano atribui à jurisdição constitucional, no dizer de Jürgen Habermas23, o papel de guardiã da democracia deliberativa.
Por estes fundamentos, a presente decisão deverá atingir todas as pessoas que, no país, celebraram contrato com os réus, na forma como postulado na inicial.
i) Fundamentação dos dispositivos deste provimento jurisdicional.
Algumas medidas vislumbro necessárias para assegurar o alcance e efetividade da presente sentença ao direito material reconhecido.
Os desafios impostos ao Judiciário na empresa de abolir a morosidade processual são imensos. A via legislativa vem contribuindo com novas normas processuais direcionadas à celeridade e efetividade da decisão judicial, exigindo comandos sentenciais direcionados à efetividade da tutela deferida.
A massificação das relações de consumo, tem como característica a existência de um ator hegemônico que aparece como detentor do poder contratual e tecnológico, denominado fornecedor e, no pólo oposto, o cidadão, ente submetido e fragilizado pela opressão do fenômeno consumista, a tal ponto que leva a denominação de consumidor, por isso destinatário de norma protetiva.
A alta tecnologia, centralizada nas mãos de poucos (como dito, identificados como atores hegemônicos da economia) causa um desequilíbrio nas relações sociais que resulta numa litigiosidade endêmica, mesmo que reprimida, já que as legiões de vítimas dos abusos perfilam num quadro de insatisfação que influencia na qualidade de vida. O geógrafo e filósofo Milton Santos, bem percebeu o fenômeno:
“No período histórico atual, o estrutural (dito dinâmico) é, também, crítico. Isso se deve, entre outras razões, ao fato de que a era presente se caracteriza pelo uso extremado de técnicas e de normas. Uso extremado das técnicas e a proeminência do pensamento técnico conduzem à necessidade obsessiva de normas. Essa pletora normativa é indispensável à eficácia da ação. Como, porém, as atividades hegemônicas tendem a uma centralização, consecutiva à concentração da economia, aumenta a inflexibilidade dos comportamentos, acarretando um mal-estar no corpo social”.24
O fenômeno que aponto tem gerado consequências no funcionamento do Estado, além do mal-estar social referido pelo articulista citado. Acarreta uma explosão de litígios com destinos bifurcados. Pequena parte ruma aos tribunais, a outra e muito maior, remanesce contida na sociedade.
Mas a parcela que chega ao Judiciário, pela via da demanda individual, ao mesmo tempo que assoberba e inviabiliza a jurisdição, não resolve o conflito social, gerando uma crescente tensão. Em suma, a via individual, nos casos em tela, torna-se perniciosa tanto ao funcionamento do Estado-judiciário, como ao convívio social.
Os altos padrões tecnológicos aplicados às relações de consumo, padronizando os contratos e as práticas de exploração comercial, potencializados em vínculos comerciais fundados em cláusulas centralizadas que oneram milhões de pessoas, acabam criando e recriando, com constância inabalável, conflitos de massa. Tais conflitos tradicionalmente vêm sendo judicializados pela via individual, demonstrando ausência de efetividade no que diz à composição integral do dano amargado pelo coletivo de vítimas.
Em recente obra publicada Voltaire de Lima Morais percebe o fenômeno e afirma:
“Num conflito de massa (macrolide), o grau de litigiosidade é maior que o verificado num intersubjetivo (microlide), levando em conta os inúmeros interesses contrariados ou direitos lesados, em decorrência de serem várias as pessoas atingidas; e o não dirimir esse conflito, decorrente de uma decisão terminativa, sem resolução de mérito, intensifica essa litigiosidade, causada por uma frustração em ver decidido um processo, mas não a relação de direito material posta em juízo”.25
Mas já existem mecanismos processuais à disposição do judiciário, quer nos institutos que introduziram o processo coletivo, quer nas novas regras processuais constantes nas últimas reformas do CPC, especificamente àquelas que aboliram o princípio da tipicidade da formas executivas, conferindo ao juiz a atribuição de realizar a sentença mediante a busca do meio mais idôneo para solução integral do litígio coletivo, pelas técnicas processuais decorrentes das cláusulas abertas contidas nos art . 461 e 461-A do CPC e art. 84 do CDC.
Assim, tais reformas processuais equiparam a atividade jurisdicional dando poderes ao juiz para realizar o direito material, com mecanismos de utilização compulsória, já que direcionados a atingir o direito fundamental à tutela efetiva, incluindo o tempo razoável do processo, aqui na sua dimensão de preceito fundamental, incorporado pela Emenda 45.
O comportamento do legislador voltado à efetividade da decisão judicial foi antecedido por uma mudança nos paradigmas de solução de conflitos. A busca pela realização do julgado levou a doutrina a repensar o sistema de classificação das sentenças dedicando esforços no aperfeiçoamento dos provimentos da decisão, valorizando a noção mandamental da sentença.
A importância dos provimentos na busca da efetividade jurisdicional é bem apontada por Pedro Lenza:
“Percebe-se, desta feita, a necessidade de provimentos jurisdicionais mais bem adequados, com o objetivo, acima de tudo, de preservação do objeto material pretendido, qual seja, 'a tutela específica' a ser analisada, particularmente em relação às ações coletivas que tem como objeto bens transindividuais”.26
As determinações constantes no provimento da presente decisão estão levando em conta, sobretudo, a efetividade da jurisdição, já que visam à absorção racionalizada da demanda judicial. Assim, a via mandamental utilizada, contemplada no processo civil brasileiro, ainda subutilizada, bem verdade, aponta-se como imperiosa medida para resolver com celeridade os milhares de processos individuais sobre o mesmo litígio, indo mais além: beneficiando os lesados que não ingressaram em juízo.
Não temos mais tempo e espaço para postergarmos uma mudança de cultura na forma de soluções dos conflitos judiciais, considerando a metamorfose observada na conflitualidade social produzida pela relação de consumo massificada.
O litígio aqui apreciado tem suas especificidades, mas não é um fenômeno isolado no sistema judicial. Essa é a questão que assume importância. Litígios de âmbito coletivo, com as mesmas características, brotam no meio social porque decorrem das práticas de consumo já abordadas, sinalizando que o Judiciário, a permanecer amarrado na concepção individual de solução de conflitos de massa, sucumbirá à demanda ante os limitados recursos orçamentários, que lhe dão estrutura necessária para atender milhões de demandas sobre a mesma questão jurídica.
O custo de cada processo judicial, segundo dados publicados no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em média, no ano de 2006, chegou a quase R$ 400,00, já tendo superado esta marca nos anos anteriores (2004 em R$ 451,38 e 2005 em R$ 477,93). Mas com o rigorismo que deve ser salientado, não se está buscando adequar os serviços judiciais à disponibilidade orçamentária, em hipótese alguma, ao contrário, o inexorável está na imperiosa adequação dos gastos à excelência dos serviços prestados pelo Estado Judiciário, como melhor e mais eficaz contrapartida pela carga tributária imposta à sociedade. Em síntese se busca a eficiência e efetividade dos serviços, sem desperdiçar recursos com métodos anacrônicos de solução de conflito.
Tenho que o enfrentamento individual de tais conflitos assume uma moldura autofágica, ausente de racionalidade e com visíveis sinais indicando para a falência do sistema judicial, caso continue admitindo a subversão de princípios processuais vitais ao acesso à justiça.
O tratamento dos litígios de massa deve ser coletivo, porque causa dano coletivo, um direito violado gera legiões de vítimas. É dizer, o dano coletivo vem de uma única origem. Uma conduta e milhares ou milhões de atingidos. O fenômeno exige resposta efetiva e abrangente, de forma que resolva integralmente o litígio sem proporcionar o represamento de litigiosidade na sociedade ou inviabilize a atividade jurisdicional aos poucos vitimados que buscam o Judiciário. Somente o processo coletivo é capaz de responder a esta demanda, quando judicializada. É isso que busca essa decisão: adequar a jurisdição à realidade do conflito. Solver o litígio integralmente e coibir outros tantos. Em síntese, visa a pacificar a sociedade, no que foi afetada pelo conflito aqui julgado
Na linha desta exposição, as determinações exaradas buscam a completa efetividade da decisão sem, contudo, inviabilizar o Poder Judiciário, impondo à parte requerida o encargo de concretizar o direito material violado, para não sobrecarregar e onerar o Estado judiciário, porque o processamento de milhões de pedido individuais, de conhecimento, de liquidação e executórios, consomem verbas orçamentárias originadas de todos os cidadãos, superando qualquer razoabilidade que todos paguem pelo comportamento ilícito de um.
Mais, na forma com que o Judiciário vem atendendo as demandas de massa, como as da telefonia, por exemplo, o ente estatal acaba atuando como um verdadeiro departamento de corporações privadas, destinando grande quantidade de verbas orçamentárias para resolver os problemas advindos da exploração comercial de atividades hegemônicas. Chega-se ao limite quando tais corporações utilizam até as dependências físicas do Poder Judiciário como se fosse uma de suas sucursais.
O legislador muito bem percebeu os desdobramentos das modernas relações comerciais promotoras de conflitos de massa, e instrumentalizou a atividade jurisdicional com os arts, 461 e 461-A do CPC e, antes, com o art. 84 do CDC. Esses dispositivos propiciaram a abolição da idéia de absoluta congruência entre o pedido e a sentença, com a concentração de toda carga de tutela no direito material postulado, liberando a atividade jurisdicional das amarras da tipificação dos atos executórios e concedendo liberdade de buscar o meio mais idôneo à solução do conflito.
Tais meios, por decorrerem de cláusulas abertas, devem atender o critério da proporcionalidade, porque é o critério de controle da atividade judicial. Assim, a escolha das ordens judiciais destinadas à efetividade do direito concedido, imperiosamente deve atender critérios de adequação, necessidade - aqui dimensionado no meio mais idôneo - e de menor restrição possível ao réu.
Na linha esboçada, a realização do direito concedido aos consumidores que celebraram negócio com a parte requerida e que não ingressaram em juízo, deverá ser promovida e executada pela própria parte requerida, nos termos determinados na parte dispositiva desta sentença, respaldadas pelos fundamentos específicos aqui delineados, nos moldes do disposto no parágrafo 5º do art. 461 do CPC, que autoriza a imposição de obrigações diversas das requeridas na inicial quando destinadas apenas a efetivar o direito material reconhecido, consoante observado por Luiz Guilherme Marinoni, ao abordar as amarras impostas pelo hermético princípio da congruência entre o pedido e a sentença:
“Essa proibição tinha que ser minimizada para que o juiz pudesse responder à sua função de dar efetiva tutela aos direitos. Melhor explicando, essa regra não poderia mais prevalecer, de modo absoluto, diante das novas situações de direito substancial e da constatação de que o juiz não pode mais ser visto como um 'inimigo', mas como representante de um Estado que tem consciência que a efetiva proteção dos direitos é fundamental para a justa organização social. Pois bem: os arts. 461 do CPC e 84 do CDC - relativos às 'obrigações de fazer e de não fazer' - dão ao juiz a possibilidade de impor a multa ou qualquer outra medida executiva necessária, ainda que não tenham sido pedidas. O art. 461 do CPC, por exemplo, afirma expressamente, no seu §4o, que o juiz poderá impor multa diária ao réu, 'independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação', e no seu §5o que 'poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como ...'”.27
Não se está abdicando da judicialização da execução, apenas se coloca ao encargo da parte causadora do dano sua efetivação, para que a extensão do prejuízo social não alcance patamares maiores do que já alcançou, o que certamente ocorrerá com as futuras liquidações e execuções individuais que ocorrerão visando à realização da tutela aqui deferida, levando em conta os milhares de consumidores que serão beneficiados e que não ingressaram em juízo. Não podemos esquecer que o judiciário é um ente vital ao funcionamento do Estado e sua ineficiência gera desorganização social. A prática de milhões de procedimentos para dar efetividade às execuções coletivas, consomem recursos preciosos para que o Poder Judiciário cumpra seu papel constitucional, onerando, inclusive, a parte sobre a qual recaem as obrigações impostas pela sentença.
Visando a dar mais eficiência à realização do direito concedido aos que não ingressaram em juízo com demandas individuais, deverá a sentença ser cumprida pelos requeridos, mediante prestação de contas em juízo, que será submetida a profissional técnico na área de contabilidade que exercerá atividade de gestor da execução, como auxiliar do juízo.
Tal medida é compatível com a realidade do presente processo, pois visa tornar efetiva a sentença sem onerar o Poder Judiciário, os consumidores e a própria requerida que não irá despender de consideráveis valores em despesas judiciais. Além disso, aponta-se como necessária à efetivação da tutela concedida, consoante permissivo do §5º do art. 461, do CPC, a adoção de mecanismos que possibilitem o resultado prático da sentença. Assinalo que não existe explicitamente um tipo processual que imponha a utilização de auxiliar na execução da sentença, sequer poderia existir. A concepção processual que aboliu a tipificação dos atos executórios é incompatível nos procedimentos herméticos, já que demonstraram ser ineficientes à realização da sentença. Mesmo assim, a figura do auxiliar já vem sendo utilizada em outros sistemas jurídicos como o receiver ou master, ou administrador ou committees, do sistema norte americano28.
Aqui atendidos os rigores do devido processo legal, as medidas estão sendo adotadas em decisão terminativa e justificadas em paradigma legal tipificado, além de estar autorizado por cláusula geral processual, concedida pelo art. 461, § 5º, do CPC.
São estas as justificações dos provimentos da decisão.
III – Por todo o exposto, nos termos do art. 269, I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos elaborados pelo INSTITUTO DE DEFESA DOS CONSUMIDORES DE CRÉDITO – IDCC em desfavor do BANCO DO BRASIL S/A, extinguindo o processo, com resolução do mérito, para:
a) declarar a nulidade da cláusula que prevê a cobrança de encargos moratórios – multa contratual, juros moratórios ou correção monetária – quando houver estipulação da comissão de permanência;
b) condenar o réu ao ressarcimento, na forma simples, dos valores indevidamente cobrados dos consumidores em relação aos contratos findos e em andamento, não atingidos pela prescrição, corrigidos monetariamente pelo IGP-M a contar de cada desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação, observado o disposto no item “f” da fundamentação;
c) determinar que o réu junte aos autos, em CD-ROM, relação dos consumidores que firmaram contrato de financiamento, desde que não atingidos pela prescrição, no prazo de 90 (noventa) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais);
d) determinar que o réu disponibilize, em cada uma de suas lojas, as informações necessárias aos consumidores para que tenham conhecimento dos valores a que tem direito, relativos aos valores indevidamente retidos ou cobrados, no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data em que não houver mais recurso dotado de efeito suspensivo, com comprovação nos autos até o quinto dia útil após o referido praz, sob pena de multa de 20% (vinte por cento) sobre o montante do valor devido aos consumidores. A disponibilização dos valores deverá ser comunicada por escrito aos consumidores, por correio, com base nos endereços de que a requerida disponha;
e) na hipótese de interposição de recurso, o prazo acima referido (e) será reduzido para 30 (trinta) dias a contar da data em que não houver mais recurso dotado de efeito suspensivo, mantida a multa, justificando-se a redução do prazo porquanto o julgamento do recurso demandará maior decurso de tempo;
f) determinar que os valores referentes aos consumidores não localizados ou que não procurarem a ré deverão ser depositados em juízo e posteriormente destinados ao Fundo de que trata a Lei nº 7.347/85, tudo com comprovação nos autos;
g) determinar que, para ciência da presente decisão aos interessados, deverá o demandado publicar às suas expensas, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data em que não houver mais recurso dotado de efeito suspensivo, o inteiro teor da parte dispositiva da presente decisão em três jornais de circulação estadual, na dimensão mínima de 20cm x 20cm e em cinco dias intercalados, sem exclusão da edição de domingo.
h) para fins de fiscalização e execução da presente decisão, forte no art. 84, § 5º, do CDC, será nomeado perito para a fase de liquidação e cumprimento da sentença, o qual, em nome deste juízo, terá acesso a todos os dados e informações necessárias para o cumprimento e efetividade do aqui decidido, podendo requisitar documentos e acessar banco de dados mantidos pela empresa demandada, devendo ser oportunamente intimado para apresentar sua proposta de honorários, os quais serão suportados pelo réu;
i) ao Sr. Escrivão, decorrido o prazo recursal contra esta sentença, deverá disponibilizar, através do sistema de informática a todos os cartórios cíveis e judiciais do Estado do Rio Grande do Sul, cópia da ementa da presente decisão, com certidão de interposição de recurso e dos efeitos em que recebido, ou do trânsito em julgado, se for o caso, para, se assim entender o titular da jurisdição, iniciar-se a liquidação provisória do julgado, nos termos dos arts. 97 do CDC, c/c art. 475-A do CPC;
l) o cumprimento espontâneo da presente decisão ensejará liberação dos demandados das multas fixadas, desde que atendidos os prazos estabelecidos.
Os provimentos desta decisão poderão ser modificados, na forma do art. 461, §6º, do CPC, visando a efetividade da decisão.
Expeça-se edital nos termos do art. 94 do CDC.
Condeno o réu ao pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da autora, os quais fixo em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), observada a natureza da causa, o trabalho desenvolvido pelo profissional e o local de sua prestação, nos termos do § 4º, observados os vetores do § 3º, ambos do art. 20 do CPC.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Porto Alegre, 26 de outubro de 2009.
João Ricardo dos Santos Costa,
Juiz de Direito

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Alimentos transgênicos devem ter informação no rótuloProdutos alimentícios transgênicos devem ter a informação no seu rótulo.

Com esse entendimento, o juiz da 3ª Vara Federal do Piauí, Régis de Souza Araújo, julgou procedente Ação Civil Pública do Ministério Público Federal e determinou que a Bunges Alimentos coloque a informação no rótulo. O juiz considerou ilegal o artigo 2º do Decreto 4.680/2003 que limita a obrigatoriedade da informação da presença de transgênicos nos rótulos dos produtos que tivessem até 1% de OGM em sua composição. De acordo com a decisão, a União deve passar a exigir que os produtos contenham embalagem que informe de maneira clara a existência de transgênicos. Para isso, deve usar órgãos de fiscalização e controle.A argumentação do MPF foi baseada na Lei da Biossegurança que trata da fiscalização de atividades que envolvem organismos geneticamente modificados. A lei obriga a rotulagem de todos os produtos transgênicos e seus derivados. Para o MPF, essa limitação representa ofensa à Constituição Federal e ao Código de Defesa do Consumidor já que, dessa maneira, o consumidor não pode decidir quanto à compra e ingestão de tais produtos.A União alegou a vigência do Protocolo da Cartagena sobre Biossegurança, celebrado no ano 2000, que diz só devem ter a informação no rótulo alimentos que tenham pelo menos 1% do seu conteúdo geneticamente alterados. A empresa também sustentou não ser exigível a rotulagem de advertência de alimentos que contenham apenas presença irrisória de organismos geneticamente modificados e declarou não haver indícios científicos de que um alimento com percentual ínfimo de componente transgênico possa fazer mal à saúde.O juiz não questionou benefícios ou riscos da comercialização do produtos transgênicos. “Na verdade, a celeuma trata exclusivamente do direito de informação ao consumidor que, inquestionavelmente, deve ser comunicado acerca do conteúdo dos produtos que adquire para, a partir de então, individualmente, decidir se quer adquiri-lo ou não, independentemente dos percentuais de sua composição, ainda que seja ínfima a presença de OGMs”, afirmou.Processo: 2007.40.00.000471-6

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

DECISÃO STJ impede o levantamento de R$ 2,5 milhões em execução contra o HSBC


Está suspenso o levantamento de mais de R$ 2,5 milhões do HSBC Bank Brasil referentes a uma execução que tramita junto à Justiça de Pernambuco. A decisão é do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ministro Cesar Asfor Rocha. O valor diz respeito a uma condenação por dano moral e material devido a uma empresa local. Para o ministro, por cautela, mostra-se necessário evitar o levantamento da quantia de R$ 2.506.272, que foram garantidos por cauções reconhecidas como inidôneas pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). De acordo com o HSBC, seriam pneus, óleos lubrificantes, elevadores e até um imóvel na periferia de Recife em nome de terceiro. O ministro Cesar Rocha observou que o tribunal estadual considerou insuficiente o conjunto de caução prestado pela empresa para garantir eventuais prejuízos que o HSBC venha a sofrer em razão do levantamento do valor penhorado. A execução teve origem em uma ação de indenização contra o Banco Bamerindus do Brasil, que pretendia a devolução de valores de 11 cheques que foram compensados sem que dois sócios da empresa os tivessem assinado. A empresa chegou a ter seu nome inscrito em serviço de proteção ao crédito, o que teria comprometido sua reputação junto a fornecedores e à praça em geral. Em primeiro grau, foi arbitrada indenização de R$ 100 mil pelo dano moral e multa diária de R$ 3 mil para que o banco depositasse “imediatamente” o valor dos cheques. Esta última determinação não foi pedida na ação. O banco recorreu do valor da indenização. Disse, também, que o juiz não poderia ter extrapolado o que havia sido pedido, determinando a multa. O TJPE manteve a multa, mas reduziu a indenização pela metade. O banco recorreu novamente, desta vez ao STJ. O recurso especial está sob a relatoria do ministro Fernando Gonçalves, da Quarta Turma. Mas como a simples tramitação do recurso não suspende os efeitos da decisão, a empresa moveu a ação de execução provisória, em que o valor está sendo levantado. Por isso, o pedido de liminar ao STJ, no sentido de impedir a execução até o julgamento do recurso. A decisão de ministro Cesar Rocha vale até futura análise do relator do recurso especial.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ